quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Abismo

A moça, mais conhecida como Vic, entrou naquele aposento sem pouco disfarçar que era uma novata, estava bêbada, chorando e berrando por ajuda. Vic nem pensou que outra pessoa poderia começar para que ela perdesse a timidez, não que ela tivesse alguma. Não deu outra, pronunciou-se sem nem ser solicitada:
"Quero cuspir na cara da sociedade, dos mentirosos que dizem que Deus existe e até na minha, na minha não, nessa que me tornei. Passei 15 anos da minha vida vendo meu pai ameaçar minha mãe e espancar minha irmã, sem nem se quer ter bebido. Levei sorte, apanhei umas 5 vezes só, eu era a queridinha dele. Mas ele não era o meu. Lembro-me quando minha mãe tentou ir num advogado se separar, parecia tudo bem, que ele ia nos deixar. Ela não queria pensar que iria ficar sem dinheiro para nos alimentar e muito menos para pagar um aluguel, daqueles de um quarto apertado na casa de alguém, ou talvez até tenha pensado, mas o desejo de se ver livre daquele monstro era bem maior. Depois do advogado uma leve condição: você pode ir, mas elas ficam. Ela fez uma escolha óbvia para uma mãe, claro. E depois desse dia não foram só ameaças. Se é que me entendem. Mas não durou muito, até ele se achar durão o bastante para enfrentar um assaltante que tinha nas suas mãos uma arma e, sem nenhum remorso, atirou bem no meio do peito dele. Cresci com nojo dos homens, com nojo da condição do ser humano e pensando que só eu tinha problemas, mas daí a gente amadurece e vê que não é bem assim. Minha irmã tinha casado e ido morar fora do país sei lá fazendo o que, tudo para fugir da memória do passado. Mal sabe ela que não funcionaria. Foi quando minha mãe faleceu que perdi o rumo. Não tinha construído nada que pudesse me levantar, sempre tinha sido minha mãe meu foco. Daí comecei a beber, fumar, perder o emprego e dar. Tanto é que agora tem algo chutando dentro de mim. É, estou grávida, não estou com a mínima vontade de viver, mas e esse bebê? Já me disseram que tenho que me acalmar, contar até 10 ou quem sabe até 100, não abortar, superar meu vício e mais um monte de baboseira que não funciona, pelo menos, para alguém que já tenha perdido a fé."
Como era de esperar, o resto da sala ficou em pleno silêncio. Depois de alguns minutos ouve-se algo como: "Pessoal, nos encontramos aqui, no mesmo horário, terça que vem, na nossa próxima sessão."

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